A pandemia expõe mazelas da desigualdade social

Por Alinne Marques

Um dos maiores desafios da contemporaneidade é a gestão de grandes metrópoles, que cresceram de forma desordenada e seu planejamento.

Nas cidades estão as enormes desigualdades entre áreas consolidadas, servidas por infraestrutura urbana razoável, e as vastas regiões mais afastadas ou onde residem as camadas trabalhadoras mais pobres, destituídas de serviços básicos, a começar do acesso a moradias seguras e dignas.

O novo coronavírus está impactando sobremaneira a vida das pessoas. Os impactos de uma pandemia são ainda mais duros de acordo com os contextos de vulnerabilidade.

O surgimento e a disseminação acelerada do novo coronavírus (Covid-19), até o momento, está ocorrendo predominantemente nas áreas urbanas brasileiras, em especial, nas mais populosas. Algumas das grandes preocupações e dificuldades dos gestores locais são a adoção e o cumprimento de medidas de prevenção, distanciamento e isolamento social nas áreas urbanas, dada a complexidade da dinâmica urbana, e, também, os impactos socioeconômicos de medidas de distanciamento e isolamento social.

O enfrentamento à pandemia do coronavírus já seria desafio imenso mesmo que o Brasil fosse um país bastante desenvolvido. Os exemplos internacionais, da Europa e dos EUA, estão aí a comprovar. Mas, no caso do Brasil, somam-se muitas outras fragilidades, como a desigualdade social, o baixíssimo crescimento, a desindustrialização (um país que depende da importação de máscaras e respiradores, quando todos os países deles necessitam ao mesmo tempo), e mais do que tudo os ataques frontais que as políticas públicas e o SUS (Sistema Único de Saúde) vem sofrendo desde o governo de Temer, agravados com a eleição do Bolsonaro.

Como falar de isolamento social ou quarentena para a maior parte do povo que vive em condições precárias e sobrevive do trabalho informal?

Certamente, a população em situação de vulnerabilidade social, que vivea margem de uma moradia digna, requer proteção especial, uma vez que enfrenta obstáculos muito maiores para cumprir com as medidas de prevenção básica da doença.

Esta população lida com a falta de acesso a materiais de higiene pessoal, à assistência médica, água e alimentação e, por fim, a falta de moradia impossibilita a concretização da recomendação de isolamento social.

Em ocupações precárias de baixa renda, as principais recomendações para evitar o contágio são impraticáveis, seja em virtude da baixa qualidade dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, do adensamento excessivo e precariedade das moradias ou do sistema de saúde deficitário. Além disso, as famílias dessas áreas estão mais sujeitas à diminuição de sua renda pelos efeitos da crise econômica provocada pela disseminação do vírus, uma vez que tais localidades concentram os menores níveis de renda e escolaridade e os maiores níveis de desemprego e de trabalho precário.

Moradia é direito básico fundamental. Estudos e práticas internacionais mostram que o acesso à moradia diminui significativamente demandas em outros serviços de assistência social, saúde e justiça. Os ganhos são para toda sociedade.

No Distrito federal, de acordo com dados da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH), em 2019 existiam, no DF, 134.118 domicílios em déficit, divididos nos seguintes componentes: 29.077 (21,68%) domicílios considerados habitações precárias , 11.065 (8,25%) domicílios com famílias em coabitação familiar , 11.803 (8,80%) domicílios alugados com adensamento excessivo e 82.173 (61,27%) em ônus excessivo com aluguel. As Regiões Administrativas com as maiores porcentagens relativas eram SCIA/Estrutural, Varjão, SIA, São Sebastião, Núcleo Bandeirante e Sobradinho II, regiões de média-baixa e baixa renda .

Além disso, vale destacar a necessidade de acolhimento à população em situação de rua, para que suas condições de saúde e higiene sejam atendidas.

A piora das condições do mercado de trabalho deve ser o principal fator do agravamento das condições socais, principalmente as de média-baixa e baixa renda, são um grupo de risco para ações de despejo ou para um maior comprometimento de outras despesas básicas do orçamento familiar, como saúde e alimentação.

A segregação manifesta-se ainda na distribuição espacial dos trabalhadores e suas respectivas formas de contratação: no centro, de alta renda, concentram-se os maiores percentuais de empregados formais e empregadores. Os autônomos concentram-se no pericentro de média-alta e alta renda (Águas Claras, Taguatinga e Jardim Botânico) e em RA de renda média-baixa e baixa, como Paranoá, Itapoã e São Sebastião. A proteção dos trabalhadores informais requer a implantação da renda básica emergencial, sendo importante uma complementação desse auxílio pelo GDF, financeira ou não, que alivie o orçamento familiar.

Neste cenário de pandemia, estratégias de prevenção e proteção são urgentes e devem ser pensadas de acordo a cada contexto.

Já no Brasil, de acordo com dados do Censo 2010 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), havia cerca de 11,4 milhões de pessoas morando em assentamentos irregulares conhecidos como: favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas.

Essas áreas contam com alta concentração de moradias precárias, número excessivo de pessoas morando em casas com poucos cômodos, ausência de ventilação adequada nessas moradias, além de deficiência no acesso aos serviços básicos, como água, esgoto, energia, acesso à alimentação adequada, transporte, emprego, saúde, entre outros. Somam-se a esses fatores serviços deficientes de equipamentos de saúde ou mesmo estruturas básicas para a lavagem das mãos.

Espera-se que tudo isso que está acontecendo fortaleça a luta por uma outra orientação para o desenvolvimento nacional, um outro rumo, que combine desenvolvimento com reindustrialização, retomada da geração de emprego, elevação da renda, investimentos em saúde, educação,segurança e políticas públicas destinadas a programas habitacionais, em especial os programas voltados a auto gestão da moradia, entendendo que as pessoas podem construir suas próprias moradias a um custo menor para o Estado e para as pessoas.


Alinne Marques é advogada, especialista em Ciência Penais e Direito Agrário, Urbanístico e Meio Ambiente. Integrante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia do Distrito Federal – MNLM.

SUA CONTABILIDADE EM ORDEM?

PUBLICIDADE

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*